O que olhos não querem ver

O que os olhos querem ver.

Os cegos são os que vêem melhor. Porque eles vêem com o coração. Nós não enxergamos com o coração. Nós pensamos com ele. É isso que nos deixa confusos, perdidos. Desorientados.

Se pudesse me esconder na névoa densa da escuridão lá erguerei minha toca, construiria meu refúgio. Meu abrigo. Eternamente no repouso estético de uma fotografia adormecida no interior de uma gaveta trancada a sete chaves na escrivaninha.

As coisas mais reais são as que não existem para nós. São as que não podemos ver. São essas as mais importantes e também mais difíceis de se encontrar. São essas as coisas de sentir.

É como sentar diante da janela e observar a melodia da natureza em perfeita harmonia. A sincronia engraçada da chuva quando cada gota d’água pipoca no chão. O maior exemplo da perfeita criação. Magnífica!

Estamos todos reunidos simetricamente ao redor de uma mesma mesa onde olhamos atentamente nos olhos de nossos vizinhos do outro lado da fronteira sem trocar palavra se quer. Afinal somos ironicamente separados por aquilo que nos mantém unidos.

O relógio é o testemunho maior, o constante observador que tudo presencia sem perder a hora. Lembra de cada briga, de cada discussão e de cada desencontro daquela sala. Podemos esquecer de sua presença, mas ele está sempre lá. Nunca no mesmo lugar.

Não pretendo emocionar nem chocar. Minha missão não é divertir nem filosofar. Escrevo por essas linhas tortas com a esperança de que um dia não vejam minhas palavras como meros códigos do português, mas como personagens de um grande espetáculo.


André de Jesus Torres