A Carta
Tudo começa em uma manhã de inverno. Os primeiros raios de sol adentravam por entre as frestas da persiana, projetando sua luz sob a escrivaninha. Ouço o som de passos largos pelo corredor, se aproximando lentamente de meu cômodo.
“-Senhor Wallace! Senhor Wallace ligação urgente na recepção!!”
Como já previa, era o mensageiro que por tantas vezes perturbava meu sono com suas corridas repentinas por entre os quartos. Já estou acostumado. Levanto-me lentamente rumo ao banheiro com a mesma preguiça rotineira.
Abro a janela. Avisto o nascer do sol no horizonte, por trás das grandes montanhas. É uma visão extraordinária do paraíso.
Poder sentir a energia do ambiente não é um dom muito comum. Já faz alguns anos que vivo refugiado nessa pequena pousada em lugar nenhum. Por vezes esqueço-me de meus problemas e compromissos a admirar tamanha beleza. Entretanto, este estado de graça não dura muito tempo, logo estou de volta a realidade e mais uma vez o mensageiro volta a me perturbar; Dessa vez, traz uma correspondência.
“-Encomenda para o Senhor Wallace!!”
“-Deve ser do banco” - Pensei sozinho com certo pessimismo. Há muito tempo não tenho a alegria de receber uma carta.
Tenho um amigo na cidade que diz que todo escritor é um solitário. Que habitam um universo isolado do restante do mundo. Passam horas trancadas em sua mente, mergulhados em seus pensamentos.
Raramente vou à cidade. É difícil abandonar a rotina quando nos adaptamos a ela. Somos apegados à realidade, não aceitamos novas perspectivas. Temos medo do desconhecido.
O hoje, o agora. É tudo tão subjetivo; Quer dizer, a própria existência em si é uma mentira a qual alimentamos todos os dias.
Vivemos em nossas mentiras. Vivemos nossas mentiras.
Um envelope desliza por de baixo da porta até meus pés. Está velho e destruído com o tempo. Dentro encontro uma carta amarelada e com as letras apagadas.
Em um português muito fino o autor transcreveu seus sentimentos por uma moça. Provavelmente sua noiva de uma cidade distante.
O remetente correspondia com meu atual endereço. Ao julgar pela data presumo que essa terrível coincidência é fruto de um erro comum nos correios.
Por outro lado algo na carta me chamou a atenção: O remetente e o destinatário estavam invertidos. O homem trocou acidentalmente o lado das informações e assim a carta nunca foi enviada...
Fiquei tentando imaginar o desfecho daquela história de amor. Teria ela esperado por anos a chegada de uma carta que por ironia do destino agora se encontrava em minhas mãos?
E o pobre coitado? Teria esperado anos e anos por uma resposta que nunca chegaria?
São ao total quarenta anos de expectativas e esperanças.
Estava decidido a fazer minha última boa ação antes de minha partida rumo ao desconhecido. Sai pelos fundos até meu carro. Dirigi por duas longas horas até um pequeno vilarejo ao norte.
O tempo parecia não passar para aquelas pessoas. As margens da estrada andavam em veículos puxados por animais. Segui as orientações de dois homens velhos que sentados em um bar jogavam conversa fora.
Segui por mais algumas horas à frente até o endereço indicado. Procurava por tal de Maria.
No local apenas algumas folhagens e o que seriam ruínas de uma casa de campo agora abandonada. Não hesitei em adentrar na velha residência que caia aos pedaços.
Um longo corredor me levava para um quarto nos fundos. A porta estava trancada.
Não foi difícil arrombar a porta, a madeira estava apodrecida.
Diante de mim via um legitimo quarto de bebê. Permaneceu intocado por anos. Seria essa criança a qual o autor da carta se dirigia com tanta ansiedade de conhecê-la? Seria seu filho ou sua filha?
Não queria ter me apeado tanto a esta causa nobre. Sou apenas um pobre escritor que tentava devolver uma carta perdida pelo tempo.
Quantas lágrimas, quantos sonhos, quantos mundos não caíram por conta desta carta? Como um simples pedaço de papel pode trazer tanto sofrimento!!
O sol se punha atrás das montanhas. Estava anoitecendo.
Uma forte chuva se formava ao longe e se aproximava rapidamente. Tinha de me correr se pretendesse chegar a casa em segurança.
Mais o destino resolver me pregar mais uma peça. Meu carro não respondia a meus comandos. Estava confinado aquela casa até o final da tempestade.
Meu celular se encontrava fora da área de cobertura. Imaginei estar no Acre!! (Essa parte é brincadeira tá? hehehe)
Já passavam das seis da tarde e chuva só aumentava. Tentei repetitivamente dar a partida no carro, em vão. O último vão de luz desaparecia lentamente.
Em minha última tentativa, obtive sucesso. Percorri todo a estrada de terra até o antigo vilarejo por que passei anteriormente.
Uma senhora me recebeu educadamente em sua casa. Perguntou o que eu fazia percorrendo aquelas trilhas.
Contei minha história com o máximo de detalhes possíveis. Posso ter adicionado eventos que de fato não ocorreram, e por outra vez poetizado minhas palavras com o intuito de parecer mais realista.
Ao final a moça se levantou e sem mais nem menos sumiu na imensidão daquele casarão. Retornou minutos depois com um envelope envolto em um saco plástico. Era um álbum de fotos.
“-A moça que procura não é quem parece ser. É mais quem aparenta ser. Maria era uma boa pessoa. Freqüentava as missas aos domingos e ajudava nas colheitas. Era ela quem cuidava das festas e casamentos da cidade. Uma moça delicada e talentosa. Preparava cada festa como se fosse para si mesma, esperando o dia em que subiria no altar com seu noivo”.
“-Infelizmente uma forte epidemia se alastrou pela região. Seu esposo desafiou as fronteiras de nossa cidade em busca de um médio capaz de curar a doença de sua amada. Ele se aventurou por mundos além do que qualquer um de nós jamais ousou imaginar. Apesar de nossos esforços, não resistiu mais que quatro meses. Nunca mais tivemos notícias dele. Ela morreu muito jovem, sem ter realizado seus sonhos”.
Fiquei sem reação. De algum modo o universo armou para que aquela carta, aquela carta viesse até mim. Mais porque eu??!
Talvez fosse minha missão final. Uma forma de acertar contas com a vida.
“-Se um dia por acaso o encontrar. Entregue a ele está carta que Maria não teve oportunidade de enviar. É um homem muito bom Senhor Wallace. Sei que fará o que deve ser feito”.
Estava de mãos atadas. Não tinha qualquer informação sobre aquele homem, não sabia quem era, da onde veio, e para onde foi.
Agora no conforto de meu apartamento usava de minhas economias finais para localiza-lo. Usei de todos os recursos possíveis e impossíveis.
Passaram-se alguns meses desde que devolvi a carta sem futuro para o correio.
Os médicos concordavam entre - si: Eu chegava a meu estado terminal.
Sentado na poltrona ao lado de meu telefone vermelho, aguardava qualquer informação sobre o homem perdido.
Ria de mim mesmo. Incorporei aquele caso como se fosse parte de mim. E agora, restando apenas alguns dias de vida, esperava por um milagre. Não o meu milagre.
“-Senhor Wallace!! EM-CO-MEN-DA!!”
Definitivamente, os ventos não estavam a meu favor. Decidi assim mesmo abrir as velas e sentir a brisa.
“-Desculpe-me incomodar, mais está carta chegou hoje de manhã.”
A mesma carta. Foi um tiro no escuro que acertou meu próprio pé.
Por outro lado algo estava errado. Havia mais de uma folha no envelope.
Uma foto ainda preta e branca de duas pessoas jovens a frente da antiga residência por que passei em minha aventura.
O fotografo não sabia, mais estava eternizando um amor que desafiava as barreiras do tempo e espaço. Uma foto que carregava uma herança de dor mas também de sonhos e de esperança.
Porque caminhamos sob o fardo de mentiras que é o passado, sob o qual construímos nosso futuro. Mas nessa brincadeira vivemos mais o desconhecido que nos esquecemos de viver o hoje.
É por isso que se chama presente.
André Torres
(RASCUNHO - 10/07/2009)
sexta-feira, 10 de julho de 2009
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Caramba, você chegou até aqui?! Leu tuuudo isso ai em cima?! Parabéns!!
Olá! Sejam muito bem-vindos ao meu Blog. Aqui nesse endereço você encontra muuuitas das minhas melhores obras. Dê uma olhada e emocione-se com os romances, mas não deixe de visitar a grande sessão de histórias engraçados e dar umas boas risadas com minhas “estranhas” e inusitadas experiências de vida. Mas se você é um sonhador ou está apaixonado também vai gostar dos textos emocionantes, dos reflexivos e das poesias. Bom, entrem, fiquem o tempo que quiserem e boa diversão!
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